A interpretação da obra de arte levanta problemas que,
para Focillon, se apresentam sob o aspeto de “contradições quase obsessivas”
(Focillon, 1943: 11). Se, por um lado é uma tentativa de aproximação ao único,
ao mesmo tempo, faz parte de um sistema de relações complexas. Resulta de uma
atividade independente, traduz uma imaginação superior e livre. A obra de arte
é o reflexo das energias das civilizações e, ao mesmo tempo, matéria e
espírito, forma e conteúdo.
Definir o que é uma obra de arte é uma questão que
alimenta discussões ao longo da história. Referindo Hauser (1998), uma obra de
arte é um desafio; não a explicamos, ajustamo-nos a ela. Ao interpretá-la,
fazemos uso dos nossos próprios objetivos e esforços, dotamo-la de um significado
que tem a sua origem nos nossos modos de viver e de pensar. Para Focillon, quem
se dedica a defini-la, qualifica-a sempre em conformidade com as exigências da
sua natureza e a própria especificidade da sua investigação (Focillon, 1943).
Os que a executam, quando se detêm a considerá-la, posicionam-se num plano
diverso daqueles que a comentam e, mesmo quando utilizam os mesmos termos,
fazem-no segundo diferentes sentidos. Já quem a frui é, no seu entender, o mais
sensível e o mais entendedor, ama-a por si mesma; crê alcançá-la, possuí-la na
sua essência – e envolve-a na teia dos seus próprios sonhos.
A obra de arte imerge na motilidade do tempo, pertence à
eternidade. Focillon descreve-a como particular, local, individual, uma
testemunha universal. Ilustra a história, o homem e mesmo o mundo; imprime na
história uma ordem que não se deixa dominar.
Acumula-se em torno da obra de arte a vegetação luxuriante com que a decoram os seus interpretes, por vezes ao
ponto de a esconder totalmente. E, no entanto, faz parte do seu ser, acolher
todos estes imaginários. Como ele próprio afirma: “é um aspeto da sua vida
imortal, do seu inesgotável interesse” (Focillon, 1943: 12).
Para se atingir a verdade pura e verdadeira da obra de
arte, Focillon propõe o seu isolamento temporário. Para termos a oportunidade
de aprender a vê-la realmente, devemos despi-la de todos as significações,
simbologias, contextos, enfim, de todas as atribuições que lhe são dadas. A
primeira conclusão a retirar é que, segundo o autor, a obra de arte é medida do
espaço, é forma, e é isso que se deve logo considerar. (Focillon, 1943: 12). Toda a atividade se
deixa definir na medida em que toma forma, em que escreve a sua curva no espaço
e no tempo, mas também a vida age essencialmente como criadora de formas. “A
vida é forma, e a forma é o modo de ser da vida” (Focillon, 1943: 12). De
resto, a própria natureza não existiria se não houvessem relações que ligam as
formas. O mesmo acontece com a arte. As relações formais numa obra e entre as
obras constituem uma sequência, uma metáfora no universo.
A própria Natureza é sublime na criação de formas.
Segundo Focillon, a vida orgânica é uma fonte eterna de inspiração. Desenha
espirais, orbes, meandros, estrelas, formas que, quando intervêm no espaço da
arte e nas matérias que lhe são próprias, adquirem uma nova semântica, geram
sistemas absolutamente únicos e inesperados. A este propósito argumenta:
“Seremos sempre tentados a procurar para a forma um outro
sentido que não o dela própria, e a confundir a noção de forma com a de imagem,
que implica a representação de um objeto, e sobre tudo com a de signo. A partir
do momento em que o signo adquire um valor formal relevante, este valor age
fortemente sobre o valor do signo como tal, podendo esvazia-lo, ou desviá-lo,
conduzindo-o para uma nova vida” (Focillon, 1943: 12).
Como vimos, um mesmo signo pode ter diferentes
significados. A forma apresenta-se como um molde vazio onde o homem vai jorrando, sucessivamente, matérias,
adquirindo um novo significado. Enquanto o signo representa algo, a forma não
tem mais que o significado para além de si própria. A forma tem um sentido, mas
pertence-lhe totalmente; tem um valor pessoal e particular que não devemos
confundir com os atributos que lhe impomos (Focillon, 1943). Estamos então, no
terreno da autonomia da forma, para circunscreve-la quase de imediato, à imposição
semântica.
A obra de arte como metamorfose da forma
Para o autor, a obra de arte só aparentemente é imóvel.
Na realidade, a obra de arte nasce de uma alteração e é a preparação para outra
– move-se e transforma-se.
Exemplos destas metamorfoses são os esboços. O esboço dá
vida à obra-prima: “vinte experiências, recentes ou quase, entrelaçam-se por
detrás da presença bem definida da imagem” (Focillon, 1943: 17). Segundo o autor, os esboços são
parte fundamental da construção da obra de arte.
Outros exemplos destes movimentos são as combinações
geométricas da decoração muçulmana. Podem ser interpretadas de mais que uma
maneira, segundo os cheios, segundo os vazios, segundo os eixos verticais ou
diagonais, cada uma delas esconde e revela o segredo e a realidade de diversas
possibilidades.
Nem mesmo a forma como o corpo do homem e da mulher são
retratadas na pintura e escultura escapam a estas metamorfoses. Nestes registos
artísticos, é utilizado o entrelaçamento formal que utiliza o corpo humano como elemento de apoio e o
conduz para um jogo de simetrias, contraposições e alternâncias.
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