O autor inicia este capítulo colocando algumas questões: As formas que vivem no espaço e na matéria, não viverão primeiro no espírito? Viverão apenas no espírito e a sua atividade exterior é o resultado de um processo interior? O que aí fazem? Como se comportam, de onde provêm, por que estados passam, o que as impulsiona e qual é a sua atividade antes de tomarem corpo? Ou sendo formas no espírito podem não possuir “corpo”?
Focillon diz que “as formas que vivem no espaço e na matéria vivem no espírito” (Focillon, 1943: 72), a única diferença existente entre eles é a “diferença de plano ou de perspetiva” (Focillon, 1943: 72).
Aborda o artista como indivíduo, como consciência única, e segundo ele “tomar consciência é tomar forma” (Focillon, 1943: 72), porque “mesmo numa camada subjacente à zona da definição e da nitidez” (Focillon, 1943: 72) – a consciência -, “existem formas, dimensões, relações” (Focillon, 1943: 72).
Assinala então: “o artista trabalha sobre a natureza com os elementos que a vida psíquica projeta desde o seu interior, e não deixa de os elaborar até fazer deles a sua própria matéria, até os transformar em espírito e os formar ” (Focillon, 1943: 72). Esta atividade, “estas comoções e tumultos do espírito” (Focillon, 1943: 73) têm apenas a finalidade de inventar formas novas.
O artista desenvolve assim, perante os nossos olhos, a técnica do espírito que “podemos ver e tocar” (Focillon, 1943: 73). Mas o seu privilégio não consiste apenas em ser um “moldador hábil e rigoroso, mas antes em criar um mundo complexo, coerente, concreto” (Focillon, 1943: 73).
Para o autor, a forma não consegue abstrair-se da matéria e do espaço e “mesmo antes de tomar posse deles, já neles vive” (Focillon, 1943: 73) – no espírito.
Segundo Focillon, a vida das formas no espírito do artista não é a vida das formas no espírito do esteta, psicólogo ou historiador de arte. “Caracterizar-se-á pela abundância e intensidade das imagens?” (Focillon, 1943: 74). Ao tomar corpo, a obra de arte pode ser interpretada como uma cópia de uma “obra interior” (Focillon, 1943: 74), mas são o sonho e a memória educados que desencadeiam as formas que lhe dão origem. Estas recordações assim formadas possuem qualidades particulares visto que trabalhou nelas, fazendo “omissões calculadas” (Focillon, 1943: 75). Mas “a forma exige abandonar o domínio do espiritual: a sua exterioridade é o seu princípio interno, e a sua vida no espírito prepara a vida no espaço” (Focillon, 1943: 75). “Então, a vida das formas no espírito não é decalcada da vida das imagens e das recordações” (Focillon, 1943: 75).
Assim, “da mesma maneira que cada matéria tem a sua vocação formal, cada forma tem a sua vocação material esboçada na vida interior. É ainda impura ou instável até nascer, até se exteriorizar” (Focillon, 1943: 75).
Segundo o autor, o pensamento do artista é forma e a sua vida afetiva também. Ele tem o privilégio de ilustrar, recordar, pensar, sentir através de formas. A forma é a própria atividade do sentimento, é ela que o anima. “A arte não se contenta em revestir a sensibilidade com a forma, ela desperta na sensibilidade a forma” (Focillon, 1943: 77). O homem artista antes de se apoderar da natureza “pensa-a, sente-a, vê-a como forma” (Focillon, 1943: 77).
Também “à vocação das matérias, ao seu destino técnico, corresponde uma vocação dos espíritos. Uma certa classe de formas corresponde a uma certa classe de espíritos” (Focillon, 1943: 78). O autor diz que não lhe compete explicar as razões desta concordância, mas que é extremamente importante verificá-la.
“A vocação conhece ou pressente a sua matéria, vê-a” (Focillon, 1943: 78), embora ainda não a domine. Isto porque a técnica para ser utilizada “precisa ser vivida, de trabalhar sobre si mesma” (Focillon, 1943: 78), ser experienciada.
“A vida das formas no espírito não é, portanto, um aspeto formal da vida do espírito” (Focillon, 1943: 79). Elas concretizam-se e “criam um mundo que age e reage “(Focillon, 1943: 79) e à medida que se propagam, a vida das formas e do artista, enriquece-se. O artista contempla a sua obra do interior das formas e do interior de si mesmo.
Se a uma determinada classe das formas corresponde uma determinada classe dos espíritos, então temos de falar de famílias espirituais ou de famílias formais, ou seja, dos vários personagens que cada artista cria e vive (vida dupla do artista). “Esta família de espíritos entendeu a vida exterior como uma matéria plástica a que gostava de impor a sua própria forma. A substância da arte é, portanto, a própria vida” (Focillon, 1943: 82).
Para Focillon, “o mundo criado pelo artista age sobre ele, nele, e ele age sobre os outros” (Focillon, 1943: 82).
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