terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Apresentação do Trabalho "A vida das Formas"

Foi no passado dia 21 de Janeiro apresentado à turma do 1º ano do mestrado do ensino das Artes Visuais no 3º ciclo do ensino básico e ensino secundário, o trabalho de investigação sobre a obra "A vida das Formas" de Henri Focillon. Foram vivenciadas e debatidas inúmeras ideias com os restantes membros da turma, acerca da contextualidade da "Forma" na obra de Arte. Fica aqui alguns registos fotográficos do encontro na disciplina de Estética das Artes Visuais coordenada pelo Professor Doutor Carlos Morais na Faculdade de Filosofia de Braga.



sábado, 21 de janeiro de 2012

O mundo da forma


A interpretação da obra de arte levanta problemas que, para Focillon, se apresentam sob o aspeto de “contradições quase obsessivas” (Focillon, 1943: 11). Se, por um lado é uma tentativa de aproximação ao único, ao mesmo tempo, faz parte de um sistema de relações complexas. Resulta de uma atividade independente, traduz uma imaginação superior e livre. A obra de arte é o reflexo das energias das civilizações e, ao mesmo tempo, matéria e espírito, forma e conteúdo.
Definir o que é uma obra de arte é uma questão que alimenta discussões ao longo da história. Referindo Hauser (1998), uma obra de arte é um desafio; não a explicamos, ajustamo-nos a ela. Ao interpretá-la, fazemos uso dos nossos próprios objetivos e esforços, dotamo-la de um significado que tem a sua origem nos nossos modos de viver e de pensar. Para Focillon, quem se dedica a defini-la, qualifica-a sempre em conformidade com as exigências da sua natureza e a própria especificidade da sua investigação (Focillon, 1943). Os que a executam, quando se detêm a considerá-la, posicionam-se num plano diverso daqueles que a comentam e, mesmo quando utilizam os mesmos termos, fazem-no segundo diferentes sentidos. Já quem a frui é, no seu entender, o mais sensível e o mais entendedor, ama-a por si mesma; crê alcançá-la, possuí-la na sua essência – e envolve-a na teia dos seus próprios sonhos.
A obra de arte imerge na motilidade do tempo, pertence à eternidade. Focillon descreve-a como particular, local, individual, uma testemunha universal. Ilustra a história, o homem e mesmo o mundo; imprime na história uma ordem que não se deixa dominar.  Acumula-se em torno da obra de arte a vegetação luxuriante com que a decoram os seus interpretes, por vezes ao ponto de a esconder totalmente. E, no entanto, faz parte do seu ser, acolher todos estes imaginários. Como ele próprio afirma: “é um aspeto da sua vida imortal, do seu inesgotável interesse” (Focillon, 1943: 12).
Para se atingir a verdade pura e verdadeira da obra de arte, Focillon propõe o seu isolamento temporário. Para termos a oportunidade de aprender a vê-la realmente, devemos despi-la de todos as significações, simbologias, contextos, enfim, de todas as atribuições que lhe são dadas. A primeira conclusão a retirar é que, segundo o autor, a obra de arte é medida do espaço, é forma, e é isso que se deve logo considerar.  (Focillon, 1943: 12). Toda a atividade se deixa definir na medida em que toma forma, em que escreve a sua curva no espaço e no tempo, mas também a vida age essencialmente como criadora de formas. “A vida é forma, e a forma é o modo de ser da vida” (Focillon, 1943: 12). De resto, a própria natureza não existiria se não houvessem relações que ligam as formas. O mesmo acontece com a arte. As relações formais numa obra e entre as obras constituem uma sequência, uma metáfora no universo.
A própria Natureza é sublime na criação de formas. Segundo Focillon, a vida orgânica é uma fonte eterna de inspiração. Desenha espirais, orbes, meandros, estrelas, formas que, quando intervêm no espaço da arte e nas matérias que lhe são próprias, adquirem uma nova semântica, geram sistemas absolutamente únicos e inesperados. A este propósito argumenta:

“Seremos sempre tentados a procurar para a forma um outro sentido que não o dela própria, e a confundir a noção de forma com a de imagem, que implica a representação de um objeto, e sobre tudo com a de signo. A partir do momento em que o signo adquire um valor formal relevante, este valor age fortemente sobre o valor do signo como tal, podendo esvazia-lo, ou desviá-lo, conduzindo-o para uma nova vida” (Focillon, 1943: 12).

Como vimos, um mesmo signo pode ter diferentes significados. A forma apresenta-se como um molde vazio onde o homem vai jorrando, sucessivamente, matérias, adquirindo um novo significado. Enquanto o signo representa algo, a forma não tem mais que o significado para além de si própria. A forma tem um sentido, mas pertence-lhe totalmente; tem um valor pessoal e particular que não devemos confundir com os atributos que lhe impomos (Focillon, 1943). Estamos então, no terreno da autonomia da forma, para circunscreve-la quase de imediato, à imposição semântica.

A obra de arte como metamorfose da forma

Para o autor, a obra de arte só aparentemente é imóvel. Na realidade, a obra de arte nasce de uma alteração e é a preparação para outra – move-se e transforma-se.
Exemplos destas metamorfoses são os esboços. O esboço dá vida à obra-prima: “vinte experiências, recentes ou quase, entrelaçam-se por detrás da presença bem definida da imagem” (Focillon, 1943: 17). Segundo o autor, os esboços são parte fundamental da construção da obra de arte.
Outros exemplos destes movimentos são as combinações geométricas da decoração muçulmana. Podem ser interpretadas de mais que uma maneira, segundo os cheios, segundo os vazios, segundo os eixos verticais ou diagonais, cada uma delas esconde e revela o segredo e a realidade de diversas possibilidades.
Nem mesmo a forma como o corpo do homem e da mulher são retratadas na pintura e escultura escapam a estas metamorfoses. Nestes registos artísticos, é utilizado o entrelaçamento formal que utiliza o corpo humano como elemento de apoio e o conduz para um jogo de simetrias, contraposições e alternâncias.

As formas no espaço


Neste capitulo, o autor começa por dizer que o espaço é definido pela forma, ou seja, é o lugar da obra de arte, que o trata de acordo com as suas necessidades, definindo-o.
De seguida, retrata o ornamento do espaço e as suas variações, sendo que, para ele, a arte ornamental “transfere-se sem alterações de uma para outra técnica” (Focillon, 1943: 34). O ornamento, “marca o vazio onde surge e confere-lhe uma existência inédita (...) Contorna, alonga e divide o campo onde se inscreve”(Focillon, 1943: 34).
No ponto seguinte, Focillon, aborda as duas ordens de figuras criadas pelo respeito e anulação do vazio, por um lado, o espaço garante a estabilidade das formas e mantem-nas intatas, por outro lado, encontra-se e confunde-se com elas.
Posteriormente, fala-nos da arquitetura e dos seus dados. Sendo esta arte exercida no espaço real, as formas são tratadas de maneira diferente, “(...)são submetidas de um modo mais passivo e restrito a elementos espaciais inalteráveis.”(Focillon, 1934: 36). “As três dimensões não são apenas a localização da arquitetura mas também a sua matéria, como o peso e o equilíbrio.”(Focillon, 1934: 36).
Para Focillon, plano, estrutura, e massa estão interligadas. Não é possível compreender plenamente a forma arquitetural no espaço resumido do traçado. Segundo o autor, as massas arquiteturais são estabelecidas segundo a afinidade das partes entre si e das partes com o todo.
Existem dois tipos de massas, a interna e a externa, sendo, segundo o autor, na interna que reside a originalidade da arquitetura, pois é aí que se cria o mundo próprio.
Em continuidade com o ponto anterior, o autor, fala-nos do reverso do espaço, sendo a luz aí tratada como um elemento de vida capaz de metamorfosear o espaço interior, colaborando, assim, com a arquitetura.
No ponto seguinte, o autor, determina o espaço e forma em escultura através da distinção de espaço-meio e espaço-limite, sendo que,  no primeiro caso,  “(...)o volume influencia de algum modo a forma, limita-lhe com rigor a expansão, e a forma aplica-se contra ele como se fosse uma mão espalmada sobre uma mesa. No segundo caso, o volume é livremente aberto à expansão dos volumes que não contém, e estes instalam-se como as formas da vida.(...)” (Focillon, 1934: 43).
Posteriormente, refere quais as variações do espaço na pintura, sendo que, segundo o autor: “Seria possível examinar da mesma maneira, aplicando os mesmos princípios, as relações da forma e do espaço na pintura, na medida em que esta arte procura representar a plenitude dos objetos presentes nas três dimensões. Mas não dispõe deste espaço completo, simula-o.”(Focillon, 1934, 44).
Por fim, explica a perspetiva cénica e o tromp-l’oeil, sendo esta, uma técnica artística que, com truques de perspetiva, cria uma ilusão ótica que mostra objetos ou formas que não existem realmente. “Cria um falso  infinito (...)” (Focillon, 1934: 52), tornando o espaço cénico ilimitado.

As formas na matéria


Focillon vê a forma como uma projeção do espírito, cuja materialização resulta da comunhão entre a origem dos materiais com as técnicas. É nesta aplicação que se constrói o ofício do artista que lhe permite a sua própria criação, o seu saber sobre a matéria.
Define a (vida da) matéria sempre como uma estrutura e uma atividade, ou seja, como forma que dá vida às formas da arte.
Para o autor, matéria e forma concordam, não se podem separar. A matéria não é “uma massa passiva” (Focillon, 1943: 56), inerte, ela é atividade e já tem a sua própria forma, que impõe à forma. Isto é, as matérias têm uma vocação formal, um destino, na medida em que a seleção das matérias é feita pela facilidade com que podem ser trabalhadas, pela adequação à sua finalidade prática e sobretudo por se prestarem a determinados efeitos, por se prestarem a um tratamento em particular. Contudo, a vocação formal das matérias “não é um determinismo cego”(Focillon, 1943: 57), pois as matérias depois de transformadas em  formas de arte são modificadas. “Assim, estabelece-se uma rutura entre as matérias da arte e as matérias da natureza, continuando, no entanto, unidas pela afinidade formal” (Focillon, 1943: 57).
Segundo Focillon, o toque ou o ataque da matéria pelo instrumento, desafia a vocação formal da matéria e da ferramenta, desafia esse destino e “extrai dele singulares inovações, por uma série de artifícios de que a arte de Rembrandt (gravura) nos fornece os mais belos exemplos” (Focillon, 1943: 68). Desafia na medida em que uma matéria age e reage consoante a maneira como é tocada.
Se a matéria é atividade e se metamorfoseia, adquire uma nova epiderme - adere a um novo espaço e recebe uma nova luz, que a trabalha. Mas a mesma matéria adquire propriedades diferentes consoante o tratamento que lhe é dado, conforme a técnica utilizada, isto quer dizer que a matéria se torna volátil. Dá-se a criação de inéditos.
Exposto isto, Focillon conclui que as matérias da arte não são intermutáveis, ou seja, “permutáveis entre si” (Focillon, 1943: 59), isto “significa que a forma, ao passar de uma matéria para outra, sofre uma metamorfose” (Focillon, 1943: 59). Pelo contrário “as técnicas interpenetram-se e, nas suas fronteiras, a interferência tende a criar matérias novas” (Focillon, 1943: 65).
Então, a obra de arte é única e nunca será possível “a cópia absoluta, mesmo numa matéria determinada ou no momento de maior estabilidade de um estilo” (Focillon, 1943: 60), pois o equilíbrio e as propriedades das matérias da arte não são constantes.
O autor apresenta numerosas aceções para a definição de técnica. Para ele, técnica é “uma poesia de ação” (Focillon, 1943: 61), o “instrumento das metamorfoses” (Focillon, 1943: 61) e um “processo (de conhecimento) que nos permite ir além dos fenómenos de superfície e de apreender relações profundas” (Focillon, 1943: 61).
Acrescenta que “as técnicas não são a técnica” (Focillon, 1943: 62), e que na obra de arte representam dois aspetos desiguais da atividade, mas convergentes: “conjunto dos métodos de um ofício (técnica) e maneira como elas fazem viver as formas na matéria (técnicas)” (Focillon, 1943: 63).
Para o autor, sendo a técnica um processo, então, devemos fazer um estudo genealógico - examinar a obra de arte em todo o processo que envolve a sua execução definitiva, os esquissos-, das variações – analisar as diferenciações da vida das formas dentro da mesma arte e na obra de um mesmo artista como “uma transposição poética da agitação da vida humana” (Focillon, 1943: 63)- e das interferências- analisar os “fenómenos de cruzamento e permuta” (Focillon, 1943: 64), os desenhos e as pinturas dos escultores ou as esculturas dos pintores- para a análise da obra de arte. É, também, necessário fazer um estudo exaustivo da técnica, “ver agir a vida” (Focillon, 1943: 64).

As formas no espírito


O autor inicia este capítulo colocando algumas questões: As formas que vivem no espaço e na matéria, não viverão primeiro no espírito? Viverão apenas no espírito e a sua atividade exterior é o resultado de um processo interior? O que aí fazem? Como se comportam, de onde provêm, por que estados passam, o que as impulsiona e qual é a sua atividade antes de tomarem corpo? Ou sendo formas no espírito podem não possuir “corpo”?
Focillon diz que “as formas que vivem no espaço e na matéria vivem no espírito” (Focillon, 1943: 72), a única diferença existente entre eles é a “diferença de plano ou de perspetiva” (Focillon, 1943: 72).
Aborda o artista como indivíduo, como consciência única, e segundo ele “tomar consciência é tomar forma” (Focillon, 1943: 72), porque “mesmo numa camada subjacente à zona da definição e da nitidez” (Focillon, 1943: 72) – a consciência -, “existem formas, dimensões, relações” (Focillon, 1943: 72).
Assinala então: “o artista trabalha sobre a natureza com os elementos que a vida psíquica projeta desde o seu interior, e não deixa de os elaborar até fazer deles a sua própria matéria, até os transformar em espírito e os formar ” (Focillon, 1943: 72). Esta atividade, “estas comoções e tumultos do espírito” (Focillon, 1943: 73) têm apenas a finalidade de inventar formas novas.
O artista desenvolve assim, perante os nossos olhos, a técnica do espírito que “podemos ver e tocar” (Focillon, 1943: 73). Mas o seu privilégio não consiste apenas em ser um “moldador hábil e rigoroso, mas antes em criar um mundo complexo, coerente, concreto” (Focillon, 1943: 73).
 Para o autor, a forma não consegue abstrair-se da matéria e do espaço e “mesmo antes de tomar posse deles, já neles vive” (Focillon, 1943: 73) – no espírito.
Segundo Focillon, a vida das formas no espírito do artista não é a vida das formas no espírito do esteta, psicólogo ou historiador de arte. “Caracterizar-se-á pela abundância e intensidade das imagens?” (Focillon, 1943: 74). Ao tomar corpo, a obra de arte pode ser interpretada como uma cópia de uma “obra interior” (Focillon, 1943: 74), mas são o sonho e a memória educados que desencadeiam as formas que lhe dão origem. Estas recordações assim formadas possuem qualidades particulares visto que trabalhou nelas, fazendo “omissões calculadas” (Focillon, 1943: 75). Mas “a forma exige abandonar o domínio do espiritual: a sua exterioridade é o seu princípio interno, e a sua vida no espírito prepara a vida no espaço” (Focillon, 1943: 75). “Então, a vida das formas no espírito não é decalcada da vida das imagens e das recordações” (Focillon, 1943: 75).
Assim, “da mesma maneira que cada matéria tem a sua vocação formal, cada forma tem a sua vocação material esboçada na vida interior. É ainda impura ou instável até nascer, até se exteriorizar” (Focillon, 1943: 75).
Segundo o autor, o pensamento do artista é forma e a sua vida afetiva também. Ele tem o privilégio de ilustrar, recordar, pensar, sentir através de formas. A forma é a própria atividade do sentimento, é ela que o anima. “A arte não se contenta em revestir a sensibilidade com a forma, ela desperta na sensibilidade a forma” (Focillon, 1943: 77). O homem artista antes de se apoderar da natureza “pensa-a, sente-a, vê-a como forma” (Focillon, 1943: 77).
Também “à vocação das matérias, ao seu destino técnico, corresponde uma vocação dos espíritos. Uma certa classe de formas corresponde a uma certa classe de espíritos” (Focillon, 1943: 78). O autor diz que não lhe compete explicar as razões desta concordância, mas que é extremamente importante verificá-la.
“A vocação conhece ou pressente a sua matéria, vê-a” (Focillon, 1943: 78), embora ainda não a domine. Isto porque a técnica para ser utilizada “precisa ser vivida, de trabalhar sobre si mesma” (Focillon, 1943: 78), ser experienciada.
 “A vida das formas no espírito não é, portanto, um aspeto formal da vida do espírito” (Focillon, 1943: 79). Elas concretizam-se e “criam um mundo que age e reage “(Focillon, 1943: 79) e à medida que se propagam, a vida das formas e do artista, enriquece-se. O artista contempla a sua obra do interior das formas e do interior de si mesmo.
Se a uma determinada classe das formas corresponde  uma determinada classe dos espíritos, então temos de falar de famílias espirituais ou de famílias formais, ou seja, dos vários personagens que cada artista cria e vive (vida dupla do artista). “Esta família de espíritos entendeu a vida exterior como uma matéria plástica a que gostava de impor a sua própria forma. A substância da arte é, portanto, a própria vida” (Focillon, 1943: 82).
Para Focillon, “o mundo criado pelo artista age sobre ele, nele, e ele age sobre os outros” (Focillon, 1943: 82).

As formas no tempo


São duas as grandes questões colocadas pelo autor neste capítulo: “Qual o lugar da forma no tempo e como se comporta ela aí?” e “Em que medida a forma é tempo, ou em que medida  não o é?” (Focillon, 1943: 85). Para abordar este paradigma, a forma é apresentada com a dualidade da intemporalidade e da forma estagnada no tempo. Sendo obra de arte, é intemporal, uma vez que esta se prolonga pelo tempo. No entanto, como forma que sucede e antecede outras formas – “(...) ela coloca-se antes e depois de outras formas (...)” (Focillon, 1943: 85).
Para Focillon, falar da vida das formas é evocar necessariamente a ideia de sucessão. Para isso, é necessário abordar a questão do tempo. Segundo este autor, tempo é “caso a caso, uma escala de medida, é como um movimento, como uma série de mobilidades e como uma mobilidade contínua” (Focillon, 1943: 85). Nas teses do historiador, a organização do tempo baseia-se, tal como a nossa vida, na nossa própria cronologia. Assim, o autor define o dia, o mês, o ano como tendo um princípio e um fim variáveis. Já todos notamos que, independentemente do tempo ser igual para todos, alguns de nós têm perceções diferentes do tempo. Todos nós já sentimos que determinados dias custam mais a passar que outros, e que determinadas tarefas parecem demoram uma eternidade.
Para o autor, a ordem do tempo leva-nos a graves confusões entre cronologia e vida, entre referência e facto e entre medida e ação. Precisamente a este respeito, acrescenta: “Temos dificuldade em não conceber um século como um ser vivo, em recusar-lhe semelhança com o próprio homem” (Focillon, 1943: 86). Se refletirmos nesta problemática, o século tem a sua juventude, a sua maturação e a sua decrepitude.  No entanto, o autor afirma que esta noção de tempo tem influência no trabalho do historiador, no sentido que estabelece e tenta modelar a vida história, segundo enquadramentos fixos (Focillon, 1943: 87). Onde está a citação?? Já sobre a data, Focillon sublinha que é um elemento fundamental da cronologia, pois permite relativizar os excessos de medição de determinadas dimensões (a relatividade do tempo perante o pensamento humano).
Para Focillon, o tempo flui, ora em ondas curtas, ora em ondas prolongadas, no entanto isto leva, segundo ele, a um duplo problema: qual a posição da obra no desenvolvimento formal?; Qual a relação deste desenvolvimento com os restantes aspetos da atividade? Para o autor, se o tempo da obra de arte fosse o tempo da história, estas questões não se colocariam, mas tal não acontece. Ao primeiro problema, Focillon afirma que a história não é uma sequência bem organizada; é repleta de diversidade, permuta e conflito, logo, a posição da obra no desenvolvimento formal torna-se complexa. Para a segunda questão, a arte, por estar intrinsecamente envolvida com a história, herda estas características, daí resultar  a relação entre a forma e o tempo. A este propósito, o autor refere: “a história não é uma sequência bem escalonada de quadros harmoniosos, antes é, em cada um dos seus instantes, diversidade, permuta e conflito. A arte (com letra minúscula ou maiuscula?) está nela envolvida e sendo ação, age, dentro e fora dela” (Focillon 1943: 89).

Mais à frente, o teórico recorre a Taine  para afirmar que a arte é uma obra-prima de convergência exterior e questiona-o ao afirmar que o mérito da arte seria decorar o tempo - deixando de a considerar como uma força, ao substituir o vazio ativo do tempo pela plenitude da cultura humana.
Para Focillon, o tempo influencia o próprio artista. O exemplo exposto no livro é o de Rembrandt que no início da sua vida artística, na Holanda, usa temáticas de dissecações académicas. Rembrandt no final da sua vida, já num outro tempo, usava temáticas completamente opostas com paisagens boémias do mesmo espaço – Holanda.

O elogio da mão


Relativamente ao pequeno ensaio “Elogio da Mão”, Focillon faz referencia ao processo criativo, ao sintetizar a forma biológica da mão, o portento do espírito criador, pois é com esse “instrumento” que se transforma a humanidade, mas sobretudo, se cria... torna possível o génio do artista, dando opções à sua expressão formal, construindo e reconstruindo. Através delas, o homem entra em contato com o rigor do pensamento...
Elas “(...) O espírito faz à mão, a mão faz ao espírito.” (Focillon, 1934: 128).

A forma para outros autores


Este capítulo tem como suporte a investigação levada a cabo por outros teóricos e investigadores sobre a forma na obra de arte. Começamos com Herbert Read (1893 – 1968) poeta, anarquista e crítico de arte e de literatura britânico. Este autor defende que o termo forma “nada tem de misterioso” (Read, 1968: 23), uma vez que um mero dicionário oferece o seu significado: “Configuração, disposição de partes, aspeto visível”. Segundo ele, forma da obra de arte não é mais que a sua configuração, a disposição das suas partes,  a sua aparência visível. Para Read existe forma logo que há configuração, logo que duas ou mais partes se juntam para constituir certa disposição. Contudo, acrescenta que “(...) quando falamos de Forma em relação a uma obra de arte deduz-se que essa forma é de certa maneira especial, que se trata de uma forma que produz em nós certos efeitos.” (Read, 1968: 24). No entender do autor, forma não contém em si, necessariamente, a ideia de regularidade, ou de simetria, ou qualquer espécie de proporção determinada. Read (1968) exemplifica comparando o conceito de forma a um atleta:

“Quando falamos na forma de um atleta usamos a palavra num sentido que se aproxima muito à que é aplicada a uma obra de arte. Um atleta está em forma quando não tem peso supérfluo, quando os seus músculos são fortes, o seu porte desempenado, os seus movimentos precisos. Pode-se dizer precisamente o mesmo em relação a uma estátua ou a uma pintura. Tomemos um quadro como exemplo e vejamos o que acontece quando olhamos para ele. Vamos supor que se trata de um bom exemplo, e que, como se costuma dizer, nos toca. Assim, e no seguimento deste raciocínio podemos aferir que, quando nos toca, esse quadro está em boa forma” (Read, 1968: 24).

Ao mesmo tempo, Read concorda com Platão quando o filósofo grego distingue forma relativa e forma absoluta. Por relativa é entendido a forma cuja razão numérica (ou beleza) é inerente na natureza das coisas vivas ou nas suas imitações. Por forma absoluta, refere-se aquelas figuras ou abstrações que consistem em “retas, curvas e superfícies ou formas sólidas”, produzidas a partir das coisas vistas por meio de “tornos, réguas e esquadros” (Read, 1968).

A Vida das Formas


Henri Focillon, teórico e historiador no princípio do século XX, dedicou parte da sua vida ao estudo da forma, criando o método de análise formalista. Na sua obra “A vida das formas”, editado pela primeira vez em 1943 (Vie des Formes suivi de Elogie de la main), o autor aborda a forma no espaço, no tempo, na matéria e no espírito.
No início da sua obra, Focillon propõe isolar temporariamente a obra de arte, despindo-a de todos os seus significados, das suas simbologias e das atribuições que lhe são dadas. Só depois deste exercício, segundo o autor, atingimos a verdade pura e verdadeira da obra de arte. Já sobre à obra de arte e sua relação com a forma, o autor conclui que “Tudo é forma, e a própria vida é uma forma” (Focillon, 1943: 12).
Aceitando esta visão englobante da forma, tal como o autor preconiza, também nós analisamos as formas no espaço, na matéria, no espírito e no tempo, revelando o que de ilusório existe na distinção entre forma e conteúdo. Assim, numa tentativa de passar da teoria à prática, e abraçando o desafio proposto pelo autor, cada um dos elementos do grupo, simbolizando estas quatro etapas, criou uma forma sobre a mesma temática - a mulher. Apesar de todos termos recorrido à mesma matéria e partilhado do mesmo local foi possível verificar que as formas obtidas foram radicalmente diferentes. Foi possível então concluir que a forma é o resultado de várias conjugações: o espírito, a matéria, o tempo e a técnica. Estes quatro elementos tornam a forma única. Segunda conclusão desta experiência é que o resultado do produto obtido trás a problemática do autor, para a atualidade. A forma não é estática, evolui segundo cada artista, influenciado pela corrente artística do momento, pelo tempo e pelas suas vivências. Todas estas premissas de criação de uma obra de arte, à luz do formato como o objeto artístico é entendido nos nossos dias, na nossa opinião, não pode estar mais atual.
De volta ao autor, a própria matéria, essência que dá vida à forma, assume um papel fundamental na sua criação, uma vez que a seleção da matéria é feita pela facilidade com que é trabalhada, pela adequação à sua finalidade prática e sobretudo por se prestarem a determinados efeitos. Para o autor, a obra de arte é “única” e nunca será possível “a cópia absoluta, mesmo numa matéria determinada ou no momento de maior estabilidade de um estilo” (Focillon, 1943: 60), porque as matérias não são constantes.
Trazendo esta visão do autor para a atualidade, na nossa opinião, há uma necessidade de rever a sua teoria uma vez que, nos dias de hoje, com o aparecimento da fotografia e outras técnicas de reprodução como a xilogravura, a serigrafia, a gravura, impressão, substituiu-se, segundo Walter Benjamin, o conceito de “existência única da obra por uma existência serial”. Esta afirmação leva-nos à questão da autenticidade da obra de arte que, para o referido autor, é o atributo exclusivo do original, e que a sua reprodução faz com que esta perca a sua “aura”, ou seja, o tempo em que é criada, o "aqui" e o "agora”.
Noutro campo de análise, Focillon, tal como nas teses de Platão, acredita que as formas vivem no espírito e podem existir somente aí. Para o historiador, o artista trabalha sobre a natureza, desenvolve a “técnica do espírito”, projeta a sua vida interior e materializa-a através das formas.
Outro prisma de análise da forma que mereceu destaque, foi a relação da forma da obra de arte com o Espaço. Nas teses do autor, o espaço influencia a perceção da forma. Ou seja, uma determinada forma colocada em espaços distintos, pode assumir diferentes valores artísticos. Por exemplo, um quadro famoso tem um valor diferente quando está num museu ou numa sala de estar.
Não podemos deixar de comparar a definição de estilo para este autor e a forma como hoje é analisada. Hoje em dia, não conseguimos definir um único estilo devido ao aparecimento de diferentes manifestações artísticas. Hoje, o conceito de arte é, em grande parte, fundada na visão pessoal de cada artista e esta pluralidade de sentidos não se coaduna com a visão mais circunscrevida do autor em relação ao estilo.
Em conclusão, cabe-nos reforçar que o pensamento do autor continua a estar atual, na medida em que a matéria, o espírito, o tempo e o espaço, continuam a interferir na criação da forma. No entanto, de uma maneira diferente. Se para Focillon, a forma era totalmente autónoma, atualmente essa autonomia não é total. No nosso entender, nos dias de hoje, a forma depende de diferentes variáveis, como o pensamento de quem a cria (o espírito) e de quem a observa e a critica, tal como o momento e o lugar em que é criada (tempo e espaço). Alguém que tem um conhecimento mais aprofundado sobre arte, poderá influenciar e ser influenciado durante a perceção da obra.

Henri Focillon - pequenas anotações do autor


Henri Focillon nasceu em Paris no ano de 1881. Durante a sua adolescência contatou e conviveu diretamente com artistas como Eduard Vuillard e Auguste Rodin e com vários teóricos de arte, entre eles Gustave Geffroy, um dos primeiros documentadores do impressionismo.
As suas incursões no universo da teoria da arte começou aos 19 anos, depois de concluir o ensino secundário, quando ajudou o mestre Geffroy a escrever o primeiro volume do livro Les Musées d’Europe (Os Museus da Europa). Mais tarde, entre 1901 e 1905, estudou Filologia na École Normale Supérieure, ainda hoje, uma das mais prestigiadas universidades francesas.
Após uma breve incursão no ensino secundário é convidado, em 1913, a lecionar na Universidade de Lyon. Simultaneamente, assume o cargo de diretor do Musée des Beaux-Arts, da mesma cidade. Durante este período, Focillon publicou vários artigos e estudos de história da arte que variaram desde a arte budista até Benvenuto Cellini  .
Em 1924, o historiador concluiu a sua dissertação de mestrado, que teve como tema Giovanni Battista Piranesi , submetida à Universidade de Paris e nesse mesmo ano sucedeu a Émile Mâle como responsável da cadeira de Arqueologia Medieval na prestigiada Sorbonne . Manteve-se interessado em vários períodos artísticos, mas o seu ensino passou a ser focado no período medieval.
Esses anos na capital parisiense foram os mais produtivos da sua vida. Inspirou uma nova geração de medievalistas ao escrever várias monografias sobre o período medieval. Entre elas, destaca-se L’art des romans sculpteurs de 1931, e La Civilisation Occidentale au Moyen Âge, publicada numa coletânea de vários ensaios em 1933. Também neste ano começa a lecionar cursos regulares de seis semanas na Universidade de Yale (E.U.A.). No ano seguinte, muito baseado nos seus escritos sobre arte medieval, publica o livro La vie des formes (A Vida das Formas). Em 1938, o seu ensaio sobre a civilização ocidental na Idade Média reapareceu, revisto, e desta vez publicado isoladamente, com o nome Art d’Occident, le Moyen Âge, Roman et Gothique (A Arte do Ocidente – A idade Média, Românico e o Gótico). Ainda nesse ano, aceitou lecionar a cadeira de estética no Collège de France, mas com a condição de manter a sua colaboração com a Universidade de Yale.
Focillon estava nos Estados Unidos quando a Segunda Guerra Mundial rebentou na Europa, em 1939 e aí testemunhou a ocupação da França pelos nazis, em 1940. Nesse ano, foi o primeiro aluno sénior em Harvard’s Dumbarton Oaks em Washington.
Morreu em 1943, nos Estados Unidos, no mesmo ano em que foi publicado o seu ensaio Moyen âge, Survivances et Reveils.
Entre os alunos de Focillon, estiveram os historiadores de arte mais ilustres da geração seguinte. Na Sorbonne, inspirou, entre outros, André Chastel , Françoise Henry, Philippe Verdier e Louis Grodecki.
Dos seus discípulos, em Yale, destacam-se Sumner McKnight Crosby, Charles Seymour, e George Kubler. Era muito conhecido pela força das suas palestras e foi numa delas que convenceu James Ackerman a tornar-se historiador de arquitetura; Robert Branner também foi um fervoroso seguidor do seu trabalho. A entrega retórica e o discurso eloquente e quase literário de Focillon (lecionou exclusivamente em francês) tornaram-se lendários em Yale.

Focillon foi o primeiro grande historiador de arte francês a incorporar o método de ensino da história da arte baseado na tradição germânica. A sua metodologia - denominada método formalista - empregou um desenvolvimento cíclico das formas baseado na teoria da forma de Heinrich Wölfflin e Adolf von Hildebrand, uma abordagem que não tem como regra a cronologia do tempo. O teórico francês tentou estabelecer princípios formalistas de interpretação com base no que ele chamou de “visualidade pura”. O caráter objetivo que defende é a antítese da objetividade analítica que dominava a escrita de arte moderna e histórica da época. Ao contrário de Émile Mâle, Focillon, enfatizou a importância da  forma sobre a  iconografia ou o simbolismo. Esta visão de Focillon foi vigorosamente criticada por Meyer  no artigo Schapiro Bulletin da revista Art in Moissac.
Focillon ficou conhecido por questionar muitas das bases do estilo românico, e alertou que muita arte românica, apesar de datada deste período, não poderia ser denominada como tal. Ele reforçou a arquitetura como o impulso primário artístico da Idade Média, um dado consensual entre os historiadores da arte francesa do seu tempo. O ano 1000 foi, segundo ele, o início deste período de construção, testemunhado no livro com o mesmo assunto e título.